Em meio a debates sobre mobilidade urbana e expansão viária, é urgente resgatar uma compreensão essencial: cidades existem, antes de tudo, para as pessoas. São espaços de moradia, convivência e pertencimento. Ruas, avenidas e viadutos são órios dessa dinâmica, não o contrário.
No entanto, discursos que colocam o “interesse coletivo” acima de qualquer questionamento vêm, na prática, impondo prejuízos concretos a comunidades inteiras — como se sacrificar a qualidade de vida de um bairro fosse um preço aceitável em nome de uma suposta maioria.
Essa lógica está equivocada. Qualquer urbanista minimamente atento ao Estatuto da Cidade sabe que o traçado viário deve respeitar não apenas os limites físicos impostos pela malha urbana, mas, sobretudo, a função social da cidade e o princípio da dignidade humana.
Se aceitássemos o argumento de que “a maioria” justifica tudo, chegaríamos ao absurdo de transformar Vitória em uma gigantesca rodovia de agem, servindo como elo entre o Norte e o Sul do país, enquanto seus cidadãos viveriam às margens — ou debaixo — do asfalto.
Vitória já atingiu seus limites estruturais. Não há mais para onde expandir vias sem comprometer de forma irreversível o bem-estar urbano. A Rua Clóvis Machado, a Terceira Ponte e tantas outras já demonstram esgotamento. Insistir em obras de ampliação que desconsideram esses limites não é planejamento: é retrocesso disfarçado de progresso.
Além disso, a proposta de requalificação da Rua Clóvis Machado remove pontos estratégicos de parada para caminhões de mudança, embarque e desembarque de ageiros, serviços e mercadorias. Trata-se de uma supressão funcional que compromete diretamente a logística doméstica e comercial da região.
Acaba com raríssimas vagas de estacionamento públicas, impedindo rotinas essenciais desde o embarque e desembarque de transeuntes, deficientes, transporte escolar, transporte por aplicativo, ciclistas e até mesmo a parada de veículos de emergência, como ambulâncias, bombeiros e polícia.
A conversão da via em mão dupla, por sua vez, aumenta a velocidade e o volume de tráfego em ambas as direções, dificultando a travessia segura dos pedestres — especialmente de idosos e crianças — em descumprimento aos princípios de ibilidade e segurança viária previstos na Política Nacional de Mobilidade Urbana.

A comunidade local tem não apenas o direito, mas o dever de dizer “basta”. Vitória não pode continuar sendo moldada a partir de interesses obscuros, desconectados das reais necessidades da população. Obras que atropelam o tecido social, ignoram o meio ambiente e enfraquecem os laços de vizinhança não merecem aplausos. Merecem questionamento, resistência e alternativas. Clóvis Machado em mão dupla é receita para acidentes, coisa que nunca aconteceu antes nessa rua.
Não se trata de negar melhorias na mobilidade. Trata-se de exigir que essas melhorias respeitem o que uma cidade de fato representa: o direito de estar, morar e viver com dignidade.
Vitória não pode ser tratorada. Vitória é nossa casa — e ela tem limites.
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